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O responsável por tudo foi o calendário. Estou ficando velho. Tudo voltou atrás. A lembrança surgiu com o espanto que senti ao ver a data. Afinal, para quem é jovem, os sessenta parecem tão longe! Mas chegaram. E foi tão rápido! A bolha de sabão é efêmera. Logo se desfaz. Transitoriedade. É este o sentido de “vaidade” no livro de Eclesiastes. “Tudo é vaidade e correr atrás do vento”. A vida passa rápido. Tempus fugit. 

Senti uma nostalgia daqueles dias de verão intenso, onde o sol permanecia no cume do céu. Hoje, já iniciou o seu percurso de volta ao crepúsculo. O verão pode lá ter os seus encantos, mas o crepúsculo é mais bonito. E poético. Como dizia um personagem do Guimarães Rosa: “Toda saudade é uma espécie de velhice”. Parafraseando um poema da Adélia Prado, “O Tempo”, escrevo:

“Vinte anos mais vinte e mais vinte é o que eu tenho. Nesse exato momento do dia,

vinte e um de fevereiro de dois mil e vinte e quatro,

o céu é bruma e está frio.

Acabo de receber muitos abraços pelas redes sociais. Sessenta anos! Não quero faca nem queijo, eu quero a fome!”

Achei saboroso o que ela pediu. Fome! De que adianta um armário cheinho de queijo se falta o apetite para saboreá-los? De que adianta o gourmet sofisticado se não há fome degustá-lo? O importante não é ter em abundância e sim o desejo de ter. É isso que dá sentido a vida. Fome é o que eu quero. Muitos oram pedindo que não lhes falte comida. Eu oro pedindo que não me falte fome. Este desejo imenso de viver a vida como um dom oferecido por Deus. Quem deixa de ter fome, deixa de viver. Fica satisfeito. Acomodado. Inerte. “Bem-aventurado os que tem fome”, disse Jesus. Fome é o combustível da esperança. Estar satisfeito é perigoso. Um estômago cheio é um estômago inválido. Orgulhoso. Mesmo que lhe ofereçam novas iguarias, ele as desprezará. Perdeu aquilo que dá sabor a vida: a fome. Quando se tem fome tudo vira festa. Tudo tem valor. Fica gostoso.

Jesus denunciou uma igreja que se dizia satisfeita. Está nas Escrituras Sagradas no livro do Apocalipse (Ap 3:14-22). O satisfeito não precisa de coisa alguma. Sabe tudo. Tem tudo. Pode tudo. Não lhe resta mais atrativos, nem espaços vazios, nem sonhos. Mas, por trás de sua satisfação encobre sua real situação: infeliz, pobre, cego e nu. 

Nada mais triste do que um corpo sem desejo. Sem sonhos. Sem horizontes a alcançar. Não! Não quero estar satisfeito. Eu quero é fome!

O calendário me informa que sessenta anos da minha vida se foram. Não sei quantos tenho mais. Deus por sua bondade me ocultou. Peço-lhe a graça de viver muitos anos. Mas, para isso, é preciso que minha fome seja cada vez maior. Não quero satisfação ou tranquilidade. Prefiro e desejo a inquietação que me faz voar. Voar é viver! E se voa melhor com fome depois dos sessenta.

Do seu pastor e amigo,
Pr. Luciano Rocha.